terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Autarquias e custo de vida III: Lisboa cresce sozinha


NICOLAU DO VALE PAIS

Autarquias e custo de vida III

Lisboa cresce sozinha

A vitória de António Costa em 2007 é histórica. O concelho de Lisboa tem mais de meio milhão de habitantes, que são o centro social e económico de uma Área Metropolitana que é, grosso modo, um terço da população do País: a Grande Área Metropolitana de Lisboa, unida à volta das duas margens do Tejo, conta com 2.8 milhões de habitantes. O candidato do PS vence com 57.000 votos. Beneficia de uma abstenção a rondar uns impossíveis 63%. Pouco passou dos 10% de eleitores inscritos. Claro que em 2009 foi diferente, até porque uma coisa é gerir uma campanha a partir do poder, outra, bem diferente, é a partir da oposição. Um poder formidável, portanto, por um lado atribuído de forma errática e despojada de sentido democrático na verdadeira acepção do termo, e, por outro, nunca contestado, sequer analisado com escrutínio que a seriedade das questões que rondam a vida de tanta gente mereceriam. (*)

Por ocasião das Autárquicas de 2005 - com Costa ainda na esfera de Governante, esfera dentro da qual não se lhe conhece uma única medida que marcasse qualquer diferença em relação a qualquer outro gestor de poder - um bom amigo meu, jornalista munícipe em Lisboa, concluía: "as pessoas do Porto precisam muito mais da Câmara; nós temos cá o Estado". Não voltei, desde então, a pensar da mesma forma a questão da gestão da Capital.

Um Presidente da Câmara de Lisboa pode tudo, pois pouca gente sabe o que quer que seja do que se passa pela Praça do Município, minúscula ela mesma quando comparada à matriz de oferta incessante que a Capital garante, pelos fluxos incomparáveis de gente que o seu quotidiano comporta. E, em boa verdade, por perversão das elementares relações entre cidadãos e poder, muitos dos habitantes das grandes cidades portuguesas já cristalizaram na ideia de abrir os cordões à bolsa para ter "privilégios" que, atendendo às respectivas onerações fiscais e às mais elementares ambições de um país civilizado, deveriam chamar-se "garantias básicas". Assim, a classe média da capital onera-se com condomínios fechados ou alarmes nas portas, porque não há segurança nas ruas; com lugares de garagem a preço de petróleo porque o espaço público (ainda é público?) carece de qualquer integração real; com o uso do automóvel particular porque o planeamento urbano foi feito para engordar taxas de construção dos PDM e os custos de obras faraónicas. Que ora são para tirar carros de Lisboa, como a seguir são para os fazer circular, numa oscilação de estratégias cuja explicação levanta as piores suspeitas.

Terá o Lisboeta capitulado? Não devia - a Câmara Municipal de Lisboa tem um orçamento de quase mil milhões de euros; custa a crer que não se consiga fazer algo com ele. Quando digo algo, não me refiro ao voluntarismo com que António Costa participa no programa "Quadratura do Círculo" onde, granjeando simpatia, vai evitando o escrutínio em relação ao que parece defender sem conseguir executar. Refiro-me, isso sim, a marcar a diferença pelo exercício do poder, e não consentir poucas vergonhas como o perdão fiscal de 3 milhões de euros ao Rock in Rio, capitulando ao pior populismo, o tal que tanto critica como homem de esquerda na televisão. Uma leitura à declaração de intenções vagas que foi o seu programa político sufragado em 2009 explica bem porque têm estas coisas a importância que não deveriam ter na construção de Lisboa.

É fácil manter a paz relativa na Capital, pelo menos por enquanto. Desconheço os números mas conheço as ruas, e não é difícil perceber que há uma imensa maioria no saldo migratório positivo que faz aquela urbe que está ali pelo emprego. E um emprego, como sabemos, vale hoje uma fortuna; mesmo que uma boa parte do ordenado seja para pagar a mais elementar decência dos munícipes. Lisboa cresce sozinha.

PS - sobre as mordomias só possíveis a um autarca em Lisboa, Rui Neves foi aqui muito mais eloquente do que eu próprio me atreveria. A reler "Danças com Corvos" em www.jornaldenegocios.pt/opiniao/visto_por_dentro/rui_neves/detalhe/dancas_com_corvos.html

(*) o primeiro artigo deste tríptico, aqui publicado no dia 4 de Janeiro, versa sobre as vantagens claras e desiguais em termos de reeleição para quem está no poder autárquico.

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/nicolau_vale_pais/detalhe/autarquias_e_custo_de_vida_iii_lisboa_cresce_sozinha.html

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