segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Notas soltas de um eleitor inquieto (epílogo) by Artur G. Nunes

Das coisas interessantemente previsíveis que acontecem na noite eleitoral.
- É esta a noite em que acontecem coisas interessantes, que reflectem o respeito (?) de alguns pelo conceito "um cidadão, um voto", vulgo democracia, sim, aquela coisa que se iniciou na Grécia antiga, que elegeu o Syriza e Tsipras duas vezes em 6 meses com maioria absoluta, que é praticada em toda a União Europeia mas só por cá é que não é legitima por uma simples razão: O povo é burro. Não percebe, não entende, engana-se.
Personalidades tão sagazes como Ana Gomes declaram estar em estado de choque, outros confessam que não percebem o que está a acontecer (não é de agora), outros preferem não dizer nada usando desculpas esfarrapadas.
É bom que seja a esquerda a dizer isso porque coloca as coisas nos seus devidos lugares apesar de se intitularem "representantes (únicos) do povo": o povo português é burro. Terá sido burro de há 4 anos para cá, porque durante 15 anos foi fantástico.
- Outra coisa previsível (escrevi-o aqui dois dias atrás) é ser esta noite a noite da esquerda unida: colocam-se de lado as rivalidades e diferenças que durante 4 anos (de crise, sem contar com com os 15 anos anteriores em que não havia crise, havia lá!...) separaram as diversas correntes e personalidades da área, não permitindo qualquer ideia de acordo ou compromisso.
Mesmo com o 15 de Setembro a apelar à unidade, tenho para mim que os partidos da esquerda ficaram mais assustados com a ideia de perderem o controlo e o protagonismo do que entusiasmados com 1 milhão de pessoas a clamar desesperadamente por eles: fizeram assim umas coisas, uns congressos para alternativas, uns encontros em magnas aulas de que nada resultou (excepto ainda mais partidos, para lutar pela unidade...) e conduziram, mais uma vez, a que viessem todos a jogo a tratar da sua vida cada um por si, até mais do que antes: ainda arranjaram espaço politico e mediático para mais 3 ou 4 partidos, a onda parecia larga e haveria "lugar" para todos... só não contaram com a "burrice" do povo. Ou a desesperança no "inconseguimento" da sua unidade, pragmática, programática, com cedências em detalhes para objectivos maiores. O muro do PCP não permite que isso aconteça. La gauche ces't moi!.
- Nunca como nunca está a esquerda tão unida como na noite das eleições! Em primeiro lugar porque juntar todos os deputados às migalhas pode dar uma maioria no parlamento, mesmo que "poucochinha"; depois porque na hora da derrota estão todos igualmente deprimidos, sem saber (?) porque terá acontecido o que aconteceu (e o povo português é que é burro...)
É um momento raro que devem saborear: o mito da esquerda unida, por uma noite. Depois ao amanhecer e progressivamente, com a luz de um novo dia a tornar mais evidentes os contornos e motivos, as formas que nunca permitem que se encaixem as peças, vão-se afastando novamente uns dos outros, deitando obviamente as culpas para terceiros: o grande capital, a comunicação social, a direita neo-liberal, o partido socialista que afinal volta a estar a fazer políticas de direita, o partido comunista que continua alinhado com a URSS, porque ainda não percebeu que já não existe, os bloquistas que embalados pelos resultados já se vêm a subir de novo nas próximas eleições e a não precisar de mais ninguém, o Livre que consegue o seu objectivo, colocar Rui Tavares como deputado, fica feliz, etc...
Voltarão a "reunir-se" virtualmente nas próximas eleições, na noite após e não antes, o sistema também é disto que se alimenta.
- Quando Costa, aconselhado não se sabe bem por quem, baseado não se percebe em quê e com uma estratégia que ninguém percebeu depois, lança-se ao assalto do partido, pensando que tendo o partido no bolso teria o país a seus pés, agradecido e reconhecido, confundindo a beira da estrada com a estrada da Beira ou um país diverso e desigual com a autarquia da capital saiu à caça do coelho, ninguém dava um tostão pelo coelho. Já estava cozinhado antes de caçado.
Eu dizia que bastava falar para afundar o partido. Comparei Costa ao Concordia, não porque tivesse algum prazer em ver o PS cair (no ridículo e nos votos), antes pelo contrário, mas porque era um erro de casting claro, o homem errado no sitio errado na altura errado e pelas razões erradas.
O PS precisa tirar a cabeça da areia, limpar os esqueletos dos armários, abrir as janelas e arejar cabeças e ideias, fazer um mea-culpa e auto-critica real e não cosmética para sobreviver para além da irrelevância.
- O PS tem andado a reboque de um acontecimento triste mas que é pouco valorizado: como a queda de um Cessna mudou tudo, tornando um palco partilhado num monólogo de um solista. Sem esse percalço da nossa democracia, nunca o PS por si teria tido a expressão eleitoral e o domínio da sistema político que veio a ter.
O desaparecimento do "cometa" PRD de Eanes também ajudou mais tarde a essa domínio, talvez por ter andado demasiado perto do Sol (mas como agora são todos amigos, não interessa).
Não o ter percebido provocou a tentação do abuso, a arrogância dos insubstituíveis, a incompreensão pela ingratidão dos eleitores. De certa forma precisa também de se ajustar, de se refundar e de reconquistar a nossa confiança. Não sei é se haverá luz suficiente ao fundo do túnel. Provavelmente fazem mais um congresso, elegem novo líder por aclamação e sem contestação e enfiam de novo a cabeça na areia, eternos incompreendidos.
Para bem de Portugal, esperemos que não.




PS: Publicado com autorização do autor (Artur G. Nunes).

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